terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Ângelus


Poder-se-ia dizer que acordara apenas nostálgica ou que uma muda e passiva tristeza moviam os seus passos silenciosos. Contudo, no semblante aparentemente tranqüilo havia uma angústia indizível. Não havia um motivo concreto para tal, porque há dias em que se tem saudade de algo que não sabemos o que é, e esta dor, esta agonia causa-nos tanta exasperação que é quase reconfortante entregar-nos à melancolia.

Caminhou pelas ruas da grande metrópole imersa em pensamentos. Sabe, é que a mente nunca pára. Sempre trabalhando. Sempre confusa. E um pensamento chamava outro, corrompia o anterior, tornando-se algo mais que assombroso.

E naquela tarde em que caminhou pelas ruas movimentadas da grande cidade, as nuvens nebulosas e o tempo cinzento davam a impressão de que tudo fora descolorido e que tudo agitava-se silenciosamente em espera e que a angústia sentida era compartilhada como se tudo estivesse a espera de um sinal.

Quase soltou um riso curto e seco, riso de ironia e leve despeito quando achou que a inquietação sentida reverberava e ecoava com o badalar dos sinos da catedral. Era um som que tinha algo de assombroso e solene. Imponente. Algo que tocava fundo, como se uma mão de toque imperioso lhe violasse o interior e expusesse o que não havia para ser revelado.

Perdoem leitores – caso haja algum – se a minha tendência é ser confusa. É que não sei falar de algo que é sentido por outrem e não cair na prolixidade da complicação. Ser simples é sempre mais difícil e falar de algo sentido e que não se sabe o que é, exige habilidades que não possuo.

Todavia, o badalar dos sinos era apenas a anuncio do Ângelus.

“Por quem os sinos dobram?”

Por quem?

A célebre frase sempre fora uma incógnita para ela, que não entendia, mas apenas sentia aquele som grave percorrer o seu corpo pulsando em suas moléculas inquietas.

“Eles dobram por ti”.

Eles dobram por todos. Eles dobram para todos.

E era como se aquele som pungente, quase doloroso, repetisse em eco: por ti, por ti, por ti...

- Angelus Domini nuntiavit Mariae.
- Et concepit de Spiritu Sancto.

Persignou-se, sem nem mesmo entender a razão. Passara todos aqueles últimos meses perguntando-se se havia alguma força superior, um Deus que em seu poder infinito olhasse e velasse por eles, pobres homens que estavam jogados nas trevas do sofrimento e da morte. Talvez aquele simples gesto tivesse tornado-se uma rotina, um hábito que lhe fora ensinado desde que fora capaz de pronunciar as primeiras palavras.

Por breves instantes cogitou a possibilidade de entrar na catedral. Acabou recuando alguns passos, os olhos perscrutando de maneira inquisitiva as paredes de pedras frias e cinzentas.

Quando menina tivera uma relação intima de amor e entrega com o Divino, mas a imagem dos santos dava-lhe a sensação de estar sendo constantemente observada. Era inquietante, mesmo sabendo que aqueles olhos pintados em barro seco nada viam.

Parte daquele desconforto estava no fato de que sabia que nunca estava sozinha e, ao passo em que este pensamento a atemorizava, ele também a confortava – como se tivesse um melhor amigo que pudesse levar a todo canto – e, de fato, o tinha.

E desta vez realmente sorriu. Sorriso discreto e matreiro, daqueles que se dá quando alguém muito querido faz uma surpresa – dessas que te fazem bem - e, mesmo sem querer admitir, sente que era aquilo de que se precisava.


A angústia sentida esvaiu-se com a mesma rapidez com que surgira, porque sabia que nunca estaria só e o Ângelus anunciava aquela verdade simples com o seu ressoar: por ti, por ti, por ti...


(Crônica escrita em Frei Paulo, SE, em 08/07/2007)

(da série "preciso voltar a escrever porque as vozes não me deixam em paz!)

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