Não
tinha como ignorar a moça que batia ponto todo dia no
estabelecimento.
Ele
era um péssimo fisionomista, sempre o fora, e provavelmente sempre o
seria. O que podia ser um problema para alguém que exercia aquele
tipo de profissão, que dependia da extrema atenção para cativar a
clientela. Mas, como ele adorava insistir, havia outros "atributos"
que o tornavam competente, e por ora isso lhe era o bastante.
No
começo ela só aparecia lá alguns escassos minutos por dia, para
uma rapidinha.
Ele não lhe dava muita atenção: ele tinha lá a sua freguesia
exigente para satisfazer, cada qual com um gosto próprio e peculiar
nos sentidos mais únicos.
Ah,
o nome?
Não,
não, ele não sabia o nome dela. E como dizia o famoso bardo: "o
que chamamos rosa com outro nome não teria igual perfume?"
Ok,
talvez ele estivesse ficando um pouco meloso e enamorado demais,
mas era preciso ser uma pessoa passional para trabalhar naquele ramo,
ou de outro modo não sobreviveria. Quer dizer, claro que
sobreviveria, mas acabaria se sentindo mais um objeto, assim como
tudo à sua volta.
E
sim, ele admitia ser um bocado dramático.
Mas
voltemos a "ela".
O
que começou com visitas esporádicas ao estabelecimento - que ele
não sabia determinar ao certo quando começaram - acabou se tornando
uma rotina consistente e impossível de ser ignorada. Mais
uma viciada, tsk! Ele
queria dizer que era algo romântico e puro, mas do Romantismo a
única coisa que havia ali era a apreciação (dizem!) por conteúdos
que faziam esquecer a realidade. Ele era um rapaz passional, sim
senhor, mas não gostava daquela patifaria de
usar subterfúgios para se alienar. Preferia mais
os dramas reais do que as irrealidades românticas.
Mas
estava sendo duro demais com a pobre mocinha: vai saber que tipo de
carências ela tinha, não é? Cada qual com seu cada qual, como o
falecido avô sempre recitava.
Como
já dito, ele era péssimo fisionomista. Não se lembrava se era
morena ou ruiva, a cor dos olhos, nem nada fisicamente marcante. Era
como se fosse uma entidade,
sem rosto, apenas uma presença constante e silenciosa, sem laços
que a prendessem a nada. Contudo, ele era bom em definir
personalidades através de pequenas pistas. E também tinha um certo
faro sherlockiano (amador
e rústico, meu caro Watson!) que contribuía para o seu hobby
favorito. Ele queria... ou melhor, ele precisava entender
o que levava aquela moça a tal antro, todos os dias, se era romance
ou aventura, se almejava um sentido filosófico ou místico, sempre buscando algo que provavelmente nem ela mesma sabia
o que era.
Ela
saía sempre com um novo amante e, por pouco tempo, isso lhe bastava.
Entretanto, ainda não era o Escolhido, aquele que teria um lugar
cativo em seu quarto e em sua vida. E em breve retornava ao
estabelecimento, olhos brilhantes e respiração suspensa, talvez
achando que naquele dia seria capaz de encontrar algo que a
enamorasse por um período mais longo que alguns poucos dias.
Depois
de semanas de observação cuidadosa ele ainda não sabia como a
conquistaria. Ela flertava com tudo o que seus olhos capturavam,
tocava e sentia o aspecto físico de seus amados através de carícias
dissimuladas, mas não ia além. Não tinha pressa.
Era como um peregrino que vagueia durante anos em busca do seu
Graal, sem se importar com a demora - a jornada em si era o que
importava.
Um
dia teria a sua estória, o seu romance ideal. Um dia teria algo que
finalmente marcaria e acompanharia a sua vida para sempre.
Porque ela simplesmente não se importava por amar o ficcional.
(escrito
inicialmente em 18/08/2011 e reescrito um bocado de vezes. e que
só está sendo publicado por causa da betagem pontual da Dani, que deu uma melhorada significativa no texto.)
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