Poder-se-ia
dizer que acordara apenas nostálgica ou que uma muda e passiva
tristeza moviam os seus passos silenciosos. Contudo, no semblante
aparentemente tranqüilo havia uma angústia indizível. Não havia
um motivo concreto para tal, porque há dias em que se tem saudade de
algo que não sabemos o que é, e esta dor, esta agonia causa-nos
tanta exasperação que é quase reconfortante entregar-nos à
melancolia.
Caminhou
pelas ruas da grande metrópole imersa em pensamentos. Sabe, é que a
mente nunca pára. Sempre trabalhando. Sempre confusa. E um
pensamento chamava outro, corrompia o anterior, tornando-se algo mais
que assombroso.
E
naquela tarde em que caminhou pelas ruas movimentadas da grande
cidade, as nuvens nebulosas e o tempo cinzento davam a impressão de
que tudo fora descolorido e que tudo agitava-se silenciosamente em
espera e que a angústia sentida era compartilhada como se tudo
estivesse a espera de um sinal.
Quase
soltou um riso curto e seco, riso de ironia e leve despeito quando
achou que a inquietação sentida reverberava e ecoava com o badalar
dos sinos da catedral. Era um som que tinha algo de assombroso e
solene. Imponente. Algo que tocava fundo, como se uma mão de toque
imperioso lhe violasse o interior e expusesse o que não havia para
ser revelado.
Perdoem
leitores – caso haja algum – se a minha tendência é ser
confusa. É que não sei falar de algo que é sentido por outrem e
não cair na prolixidade da complicação. Ser simples é sempre mais
difícil e falar de algo sentido e que não se sabe o que é, exige
habilidades que não possuo.
Todavia,
o badalar dos sinos era apenas a anuncio do Ângelus.
“Por
quem os sinos dobram?”
Por
quem?
A
célebre frase sempre fora uma incógnita para ela, que não
entendia, mas apenas sentia aquele som grave percorrer o seu corpo
pulsando em suas moléculas inquietas.
“Eles
dobram por ti”.
Eles
dobram por todos. Eles dobram para todos.
E
era como se aquele som pungente, quase doloroso, repetisse em eco:
por
ti, por ti, por ti...
-
Angelus Domini nuntiavit Mariae.
-
Et concepit de Spiritu Sancto.
Persignou-se,
sem nem mesmo entender a razão. Passara todos aqueles últimos meses
perguntando-se se havia alguma força superior, um Deus que em seu
poder infinito olhasse e velasse por eles, pobres homens que estavam
jogados nas trevas do sofrimento e da morte. Talvez aquele simples
gesto tivesse tornado-se uma rotina, um hábito que lhe fora ensinado
desde que fora capaz de pronunciar as primeiras palavras.
Por
breves instantes cogitou a possibilidade de entrar na catedral.
Acabou recuando alguns passos, os olhos perscrutando de maneira
inquisitiva as paredes de pedras frias e cinzentas.
Quando
menina tivera uma relação intima de amor e entrega com o Divino,
mas a imagem dos santos dava-lhe a sensação de estar sendo
constantemente observada. Era inquietante, mesmo sabendo que aqueles
olhos pintados em barro seco nada viam.
Parte
daquele desconforto
estava
no fato de que sabia que nunca estava sozinha e, ao passo em que este
pensamento a atemorizava, ele também a confortava – como se
tivesse um melhor amigo que pudesse levar a todo canto – e, de
fato, o tinha.
E
desta vez realmente sorriu. Sorriso discreto e matreiro, daqueles que
se dá quando alguém muito querido faz uma surpresa – dessas que
te fazem bem - e, mesmo sem querer admitir, sente que era aquilo de
que se precisava.
A
angústia sentida esvaiu-se com a mesma rapidez com que surgira,
porque sabia que nunca estaria só e o Ângelus anunciava aquela
verdade simples com o seu ressoar:
por ti, por ti, por ti...
(Crônica escrita em Frei Paulo, SE, em 08/07/2007)
(da série "preciso voltar a escrever porque as vozes não me deixam em paz!)
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